Pesquisa mostra os impactos gerados pelos estudantes de medicina na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero

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Não é exclusividade da cidade de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul (MS), sentir os efeitos que um aumento abrupto da população tem causado na cidade. São estudantes de várias partes do Brasil, principalmente das regiões Norte e Nordeste, que têm migrado para as cidades de fronteira com o Paraguai para ter acesso mais facilitado aos cursos de medicina ofertados no país vizinho. Em Ponta Porã, estima-se que a cidade tenha recebido entre 12 mil a 15 mil estudantes nos últimos anos, fora os familiares.
Tais movimentos fizeram a Advogada e Procuradora Municipal de Ponta Porã, Laura Karoline Silva Melo, a realizar uma pesquisa de Mestrado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Com o título “Estudantes de medicina e políticas públicas na fronteira: um olhar sobre as cidades gêmeas de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY)”, a pesquisadora analisa tais impactos. Nas narrativas dos entrevistados – Laura utilizou o método qualitativo, com coleta de dados a partir de entrevistas com roteiro semiestruturado com agentes públicos e privados – é ponto comum a percepção de que, dentre os pontos positivos da chegada dos estudantes à cidade, está a movimentação da economia: novos trabalhadores, aumento na arrecadação municipal, no setor de serviços, alimentação, setor imobiliário, etc. Por outro lado, o poder público também observa alterações no orçamento municipal, principalmente com maior demanda aos serviços de saúde e educação; este último, bastante afetado pela necessidade de mais vagas em centros de educação infantil.
Laura explica sobre alguns pontos de atenção em relação a este fenômeno. “Há uma série de dados e aspectos que necessitam de uma análise mais apurada. No Sistema Único de Saúde, por exemplo, se olharmos os pacientes que são atendidos no centro de especialidades de Ponta Porã, podemos projetar um mapa do Brasil. Na educação o que me chamou a atenção é que ela recebe repasse de verbas no ano posterior, então fazer o planejamento nesse setor se torna mais complicado, tamanha a movimentação de tais estudantes, pois alguns permanecem na cidade, outros desistem, outros ainda se mudam para o outro lado da fronteira. Acredito que por causa desse dinamismo, as cidades gêmeas deveriam ter legislação diferenciada”.
Em relação aos repasses relacionados à saúde, o recurso destinado ao município equivale à quantidade de habitantes. Se a população é flutuante, há inconsistências, por isso a necessidade de revisões. De acordo com a Lei nº 8.080/90, todos que possuem inscrição no Cadastro Único têm direito a atendimento, inclusive os que residem no lado paraguaio da fronteira. “As narrativas da pesquisa mostraram, em sua maioria, que os estudantes de medicina brasileiros, tanto os que residem no Paraguai quanto no Brasil, geram uma demanda que acaba pressionando o sistema de saúde de Ponta Porã, especialmente em termos de dispensação de medicamentos, atendimentos, consultas médicas e procedimentos (básicas e especializadas) e imunização”.
Rosenery Loureiro Lourenço, Professora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e de Sistemas Produtivos, Professora do curso de Ciências Contábeis e Assessora de Relações Internacionais da UEMS foi a orientadora da dissertação e destacou que a pesquisa teve como objetivo compreender o que acontecia na fronteira em termos de ações, projetos e as próprias políticas públicas que o poder público já vinha desenvolvendo para atender aos estudantes de medicina e o que ainda pode ser feito. “Por ser cidade de fronteira, precisamos também olhar sob a perspectiva do lado paraguaio e inclusive existe a intenção de fazermos uma pesquisa futura sobre isso”. Ela também explica a necessidade de criar espaços para uma comunicação mais integrada sobre a educação na fronteira para que os dois municípios possam promover melhorias conjuntas. “Há anos observamos esses movimentos e podemos acabar precarizando algumas questões se não tivermos esse diálogo institucionalizado. Quando falamos em política pública não é algo tão simples como: desenhar a política, implementar e o resultado absoluto já ter impacto. O que me parece adequado é realizar um censo dos estudantes de medicina, pois hoje não temos isso sistematizado. Outro ponto é que esses moradores transfiram os seus cadastros pessoais para a fronteira, para que tenhamos recurso adequado destinado à saúde, à educação, etc. Outro aspecto que poderíamos pensar são políticas voltadas para mais provas de revalidação dos diplomas e também ativar um hospital-escola no município de Ponta Porã. Hoje, eles estudam e fazem estágio no Paraguai, mas seria uma forma de compartilhamento dessa educação e uma ‘devolução’ para a sociedade prestar estes serviços também no Brasil”.

Luciano Stremel Barros, Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), comenta: “Os países devem ficar atentos às vocações que as cidades de fronteira tem para que possam trabalhar em conjunto seus potenciais. Nos últimos anos o Paraguai tem se descoberto em relação aos cursos de medicina e que isso pode trazer benefícios importantes para a população: a qualificação de mão de obra que vem para a região, o desenvolvimento de atividades formais, acréscimo na renda local e também mais mão de obra na área médica, normalmente deficitária em diversas partes do Brasil. Essa conversa estratégica entre os países precisa acontecer”.

A dissertação completa está publicada no site da UEMS. Clique aqui para acessar.

Narrativas dos entrevistados

Na sequência, estão listados trechos de depoimentos de diferentes entrevistados, retirados do trabalho e coletados por Laura durante a pesquisa.

“O que precisa ser feito é mitigar as fraquezas dos pontos negativos e fortalecer os positivos. Nós falamos aí em 10.000/12.000 estudantes. Eu falo que são 20.000 pessoas porque muitos deles estão com os familiares, e eu fico pensando de quantos lugares estão vindo e quantas histórias têm ali, quantas cidades muito menores que nós, com menor infraestrutura e com menores oportunidades. Muitos deles vieram para cá e pensaram: “nossa que cidade legal, que cidade boa, está desenvolvendo um serviço público que funciona!” “Eu vou ficar, não vou mais embora!” Eu tenho uma história dentro da minha casa, assim, impactante. Alguém que veio fazer medicina aqui em Ponta Porã e se casou com minha filha. São relações que minha filha trouxe para dentro da minha casa. Então são histórias que se misturam, sonhos que se sonham juntos e um futuro que se constrói junto”.

“No programa de saúde detectamos, infelizmente, uma prostituição de luxo, doenças
que a gente não sabia. Algumas faculdades resolveram fazer uma campanha de doação de
sangue e de repente já detectou doenças como HIV em um índice muito alto. Mas não
tínhamos isso no município, isso mostra o quanto essas pessoas que vem de fora, não se
cuidam. Já vieram com essas doenças, doenças tropicais por exemplo, tuberculose que vem do Norte. Então algumas coisas que nós não tínhamos na cidade antes da chegada dos estudantes de medicina e que a gente precisa ficar atento. Aí há um descompasso muito grande entre o Governo Federal e Estadual que não têm um papel importante sobre essa ação de combate a essas doenças que estão sendo detectadas em Ponta Porã. Você já sabe que o SAE vai precisar de mais coquetel, já sabemos que o CRAS tem conflito familiar, que já tem mais gente aí. Mas existe um extra que a gente já vem planejando faz dois anos dentro do nosso orçamento, dentro dos programas e dentro das execuções de serviços públicos que a prefeitura presta, trabalhamos com margem extra”.

“O lado negativo seria a sobrecarga do serviço público. Muitos estudantes têm família
constituída, vêm com seus filhos pequenos e precisam de escola pública, precisam de creche e precisam matricular seus filhos e isso deu certo impacto na rede de educação. Em relação à segurança, eu acredito que seja mais questão de trânsito, porque o fluxo de veículos circulando no município aumentou muito, muitos estudantes compram motinhas no Paraguai, que é um veículo barato, muitas vezes sem documentação. Aumentou a demanda no hospital em decorrência de acidentes de trânsito”.

Ponta Porã, que fica no estado do Mato Grosso do Sul, faz fronteira seca com a cidade de Pedro Juan Caballero, Paraguai.
Crédito: Christian Rizzi / Agência de Notícias Gazeta do Povo.

Texto: Eloiza Dal Pozzo

Foto de capa: Christian Rizzi / Agência de Notícias Gazeta do Povo.

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