A integração sob bases colaboracionistas e paradiplomáticas na América do Sul, contrapondo, sem desprezar, as ideias realistas.

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A integração sob bases colaboracionistas e paradiplomáticas na América do Sul, contrapondo, sem desprezar, as ideias realistas.

MANUEL HERMETO VASCONCELOS JÚNIOR

Resumo

O presente artigo pretende demonstrar que uma inserção internacional em moldes bilaterais, baseadas em relações assimétricas, tende a gerar tensões no longo prazo ao invés de um ambiente de cooperação. Para isso, mostra-se alguns dos principais mecanismos de integração de potências globais (EUA e China) e analisa-se as controvérsias geopolíticas e econômicas que a acentuada assertividade provoca no tabuleiro das nações. Contrastando isso com possibilidades de modelos mais cooperativos e de integração equilibrada, que podem ser utilizados na integração da América do Sul, focando no suporte eficiente de mecanismos como a descentralização e a paradiplomacia.

A ideia central é contrapor arranjos de integração econômica e política e seus danos de longo prazo para as relações internacionais – por serem baseados somente em teorias realistas clássicas -, com formatos mais colaboracionistas inspirados em teorias liberais, construtivistas e pós-modernistas, sempre com a ideia de que os marcos teóricos não são excludentes, mas sim complementares, e de que o equilíbrio e a relação de igualdade é o principal condutor de uma integração internacional duradoura e profícua para os atores envolvidos.

  1. As Principais Potências Globais e suas relações desiguais de integração

Nesta seção, busca-se mostrar, por meios de exemplos não taxativos, como os aspectos gerais das políticas externas de duas das mais proeminentes potências globais têm efeitos sob as lógicas geopolíticas de todo o sistema internacional. Lamentavelmente, os dividendos gerados pela preponderância do interesse nacional puro e simples, imposto a países ou agrupamentos políticos com menos recursos de poder, têm estado entre os fulcros de maior tensionamento do Sistema Internacional (SI). A escolha de Estados Unidos e China tem relação direta com a atual rede de influência mundial que essas nações possuem, mormente por suas interconexões nos quatro cantos do globo, seja pelas vias diplomáticas e políticas, seja pelas interações econômico-comerciais e militares.

Como argumenta Giovanni Arrighi, em Costume e Inovação: Ondas longas e estágios do desenvolvimento capitalista, os dois países citados são precursores ou participantes do desenvolvimento econômico global desde meados do século XX, quando a integração do mundo pela ótica do Realismo das Relações Internacionais parece ser a mola mestra das interconexões, onde a maior capacidade de influenciar os mecanismos globais de tomada de decisão e de poderio econômico são a principal chave de funcionamento do SI, em detrimento da maioria dos estudos teóricos que pregam relações mais igualitárias ou menos assimétricas, já que fora essa regra de redes de influência que prevaleceu nas principais ondas do desenvolvimento capitalista. (Arrighi, 1997, p. 141)

1.1 Estados Unidos

É possível afirmar que os norte-americanos, desde pelo menos o pós-Segunda Guerra Mundial, são o pivô ou um dos atores relevantes das grandes crises ou das mais destacadas ações desenvolvidas no Sistema Internacional. Nesse sentido, elencar algumas das atuações de Washington nas mais distintas regiões do planeta revela o quanto o desencadeamento de um pragmatismo exacerbado, somado a uma assertividade direcionada para a prevalência de uma relação assimétrica, pode ter um efeito de curto prazo relevante para o interesse nacional, mas, no longo prazo, constroem-se tensionamentos que são potenciais gatilhos de crises ou de estados de alerta permanentes. Em um rápido paralelo com os conceitos trazidos por John Maynard Keynes, em Consequências Econômicas da Paz, a elaboração de estratégias de maiores vantagens para um lado em detrimento da contraparte, como fora ao final da Primeira Guerra Mundial (Keynes, 1919), pode ser o embrião de embates futuros, seja no campo econômico-político ou no militar. É o que se viu na crise do Entreguerras e na consequente postura afrontosa da Alemanha de Hitler, e o que se percebe nas reações sociais ou políticas contra os Estados Unidos, quando das suas iniciativas de integração ou aproximação desigual em áreas como a América Latina, o Oriente Médio, ou mesmo no Leste asiático e na Europa.

Na América Latina, é possível afirmar que, desde a famigerada Doutrina Monroe (1823), os EUA buscam desdobrar a região como uma área de influência mediterrânea, o que não ocorre sem as resistências dos estados nacionais, nem sem as perturbações a ordem estatal interna de todos os atores envolvidos. Iniciativas norte-americanas como as Conferências Panamericanas (desde 1889), o Corolário Roosevelt, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947) ou a configuração da Organização dos Estados Americanos – OEA (1949) foram vistas pelos latinos como formas de Washington subjugar e impor sua vontade aos Estados da região (Casas, p.15, 2007). Exemplo disso, é a demonstração do sentimento antiamericano exacerbado visto na visita do então vice-presidente ianque à América do Sul (1958), em que a segurança teve de ser reforçada em meio à magnitude das manifestações em diferentes países do subcontinente. Isso parecia uma amostra da insatisfação com o tratamento desigual desenvolvido pelos EEUU, que fora ainda mais demosntrado ao longo do século XX, após diferentes intromissões em países da América Latina (AL): Invasão da Baía dos Porcos (Cuba, 1961), intervenções na Guatemala (1967), na Nicarágua (1979 e 1986), em Granada e no Panamá (fins dos anos 1980), bem como as iniciativas de instalações de bases militares em países como o Paraguai e a Colômbia; tudo isso reforçava a sensação de que essa assimetria pouco teria beneficiado os latino-americanos, funcionando como um reforço da periferização dos países ao sul do Rio Grande, mais do que um modelo de integração e cooperação continental, como era a suposta retórica defendida nas conferências e cúpulas que Washington promovia, para dialogar com as nações da AL.

Essa postura norte-americana e a reação dos latinos não mudaram em anos recentes. Diante de conceitos como o regionalismo aberto e a problemática do quase descaso dos EUA com as comunidades locais, verifica-se uma perpetuação da relação assimétrica e de uma visão preponderante de que há a necessidade de uma reação contra hegemônica à presença de potências globais no subcontinente (Friggeri, 2018). Na esteira do regionalismo aberto, as imposições de formatos econômico-comerciais de matriz liberal têm gerado uma percepção, desde as crises neoliberais de fins do século XX, de que tais medidas parecem promover um atraso no desenvolvimento autônomo das nações latino-americanas, ao preço de políticas fiscais e monetárias contracionistas, que perpetuam as desigualdades sociais e propagam a falta de crescimento econômico, contrapondo-se ao estruturalismo defendido pela CEPAL em meados do século XX, que foi desenvolvido sob protesto de Washington à época (Bielshowsky, 2009).  Nesse sentido, a penumbra geoeconômica e política da América Latina parece ter, para muitos autores, relação direta com o desequilíbrio e a imposição de medidas não orgânicas aos países da região, principalmente pela gestão hegemônica, representada pelos EUA (Furtado, 2007). Isso demonstra que a postura parcial de uma potência global, mesmo que possa gerar uma sensação de benefícios internos imediatos, propaga no tempo um distanciamento e a busca de relações menos desiguais.

No Oriente Médio, a presença norte-americana tem sido um dos principais combustíveis das ações extremistas e fundamentalistas desencadeadas ao redor do globo. Desde pelo menos as ações bélicas da Guerra do Golfo (1991), quando os americanos usaram as terras da Arábia Saudita como suporte para atacar as investidas de Saddam Hussein no Kuwait, o sentimento de que a fé islâmica, partindo de grupos fundamentalistas, tinha sido afrontada (“ao permitir que ‘hereges ocidentais’ estivessem no território das cidades santas: Meca e Medina”), foi o gatilho para o surgimento e fortalecimento de grupos religiosos que veem no extremismo e na ação armada as suas ferramentas de ação política e social. Nessa esteira, são ativados ou reanimados agrupamentos como a Al-Qaeda, o Al Shabab, o Boko Haram ou o Taleban, alguns chegando a ter domínios territoriais consideráveis e mesmo ocupando a gestão pública de estados nacionais. Essas estruturas perfazem ataques terroristas em várias partes do mundo ocidental, principalmente entre a década de 1990 e o início do século XXI, fundamentando suas atividades violentas como um protesto contra a imposição dos modelos democráticos, cristãos e liberais, trazidos pelos EUA à região. Em anos mais recentes, o autoproclamado Estado Islâmico tem capitaneado as principais ações terroristas em uma espécie de reforço contra hegemônico e sob as mesmas bases religiosas fundamentalistas em que se baseavam os primeiros grupos citados (Rapoport, 2013). Verifica-se, mais uma vez, que a tentativa de supremacia dos valores do Ocidente no Oriente Médio, capitaneada pelos EUA, tem sido responsável por um dos principais fenômenos da agenda internacional contemporânea: o terrorismo fundamentalista, como uma prova de que as ações assimétricas de relações unilaterais geram dividendos danosos para o conjunto da humanidade.

Na África, os EUA têm outro histórico de efeitos deletérios, provocados pela imposição de modelos ou pela interferência ou indiferença nas gestões nacionais de diversos estados. Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria das nações africanas ficaram independentes, mas subordinadas às lógicas da geopolítica dos vencedores ocidentais do conflito (EUA e Europa). Esse quadro configurou estados africanos com grande instabilidade sociopolítica, as quais, durante a Guerra Fria, eram, de certa maneira, acopladas pela confrontação Leste-Oeste, contudo, nos anos 1990, essa conjuntura africana passa a ser menos observada e são desencadeados inúmeros conflitos no continente, que são herdeiros das conjunturas coloniais, que desde a metade do século XX recebiam ou não a gestão de interesses norte-americanos, de acordo com os direcionamentos da rede de influência de Washington (Hobsbawm, 1996). Foi sob essa perspectiva que o Ocidente, sob gestão do unilateralismo ianque, observou passivamente um genocídio de mais de milhão de tutsis em Ruanda (1990s), o avanço de grupos extremistas com o conseguinte esfacelamento do Estado somali – culminado com ataques a estruturas norte-americanas locais (queda de helicóptero e atentado na embaixada em Mogadício); além de ter observado o endurecimento de guerras civis nas ex-colônias portuguesas (Moçambique e Angola), bem como em outros locais da África subsaariana. Parece que a gestão hegemônica sobre o continente-mãe – desde o Imperialismo do século XIX até o presente – gera dividendos perniciosos para a paz mundial. Agora, sob as regras de Washington, os africanos continuam sendo percebidos por uma lógica de assistencialismo e a África ainda é vista como um local que possibilita ações mais lucrativas para a instalação de multinacionais, bem como para a exploração de recursos naturais. Diante disso, parece que a instabilidade e as tensões internas são o grande efeito de longo prazo dessa política histórica de integração desigual (Sombra Saraiva, 2013).

Na vizinhança mais próxima, principalmente com o vizinho mexicano mais pobre, os americanos vêm gerando intrigas que prejudicam as relações de integração na América do Norte. Tensões nos últimos anos sobre as relações econômicas, que levam a periferização da economia mexicana, controvérsias relativas à imposição de políticas de restrições migratórias (incluindo as várias ações relativas à construção de um muro na fronteira), bem como discriminação contra descendentes mexicanos e latinos dentro dos EUA, são todos fatores de tensão provocados por políticas de aproximação pouco abrangentes, que consideram principalmente aspectos econômicos, descartando fatores sociais e políticos; o que, no longo prazo, gera repulsa e um sentimento revisionista contra os EUA em diferentes setores da sociedade (Visentini, 20008). Essa conjuntura de descontentamento é exemplificada pelo pensamento norte-americano protecionista que remete ao Relatório de Manufaturas de 1791, confeccionado por Alexander Hamilton (então Secretário de Economia), em que se prolatava a necessidade de uma proteção a determinados setores comerciais e industriais com vistas a maior obtenção de lucro em detrimento de uma relação mais equilibrada com a contraparte nacional (Hamilton, 1792). Essa lógica histórica dos norte-americanos parece ser a prevalecente em suas relações comerciais com países de menor capacidade econômica, em que o uso de mão-de-obra barata ou a busca de compras de insumos com baixo custo parece ser a tônica (por exemplo: NAFTA, atual USMCA), o que provoca, no longo prazo, um desenvolvimento díspar entre os países envolvidos e a não contenção de crises sociopolíticas.

No entorno asiático, além das confrontações com Pequim (tratadas no próximo tópico), as investidas norte-americanas naquele continente têm resquícios de geração de controvérsias e disputas que estendem seus efeitos ao redor do mundo. No Vietnã, entre os anos 1960 e 1970, a presença norte-americana no conflito nacionalista firmou um sentimento sociopolítico de resistência que perdura hodiernamente. As interferências e a presença militar permanente em áreas como o Sudeste Asiático e o Mar do Japão geram desconfortos e instabilidades nas relações e gestões locais da situação, entre outras, da Península norte-coreana, bem como nas possibilidades de apaziguamento das relações dos japoneses com os vizinhos asiáticos, que permanecem com muitos traumas desde o fim da Segunda Guerra (Hobsbawm, 1996). A postura de Washington de priorizar sua percepção geopolítica em desfavor das necessidades dos estados asiáticos aumenta as tensões regionais em uma das áreas mais disputadas no tabuleiro internacional, seja econômica ou militarmente. Essas crises incluem as contestações de soberania sobre o arquipélago de Taiwan e sobre o Mar do Sul da China, além das disputas por ilhotas no Pacífico entre Japão, China e Coreia do Sul. A colocação de uma potência extra regional, com seu Realismo fabricado sob bases de relações de superioridade de força, parece aguçar as rivalidades e distanciar as capacidades de contenção de crise entre os atores envolvidos (Visentini, 20008).

O alto pragmatismo gera contenciosos também entre norte-americanos e europeus. Com os russos, as quimeras históricas das disputas por área de influência remetem à Guerra Fria e, ultimamente, têm sido absorvidas nas controvérsias que envolvem o expansionismo da OTAN em direção ao Leste e nas interferências russas em eleições democráticas de nações ocidentais, em uma espécie de jogo de ação e reação em que a integração e a cooperação parecem um discurso distante no tabuleiro realista das conferências das partes envolvidas. Com a União Europeia, a parceria histórica não deixa de ser abalada pela dependência financeira e pela influência cultural e política que os norte-americanos exercem sobre o velho continente desde o pós-guerra. Mais recentemente, contestações sobre a colaboração financeira dos europeus ocidentais na formatação militar da Aliança Norte Atlântica (OTAN) têm gerado discursos acirrados entre os líderes europeus, como os chefes de governo de França e Alemanha, no sentido de criar um exército europeu, para reduzir a dependência militar dos EUA e buscar novamente a autonomia geopolítica da Europa nas questões internacionais. Essas iniciativas e relatos, envolvendo as relações EUA-Europa, demonstram que o nível de tensão entre esses atores do SI é crescente, mormente por uma inserção norte-americana em formato desigual. Isso funciona como um fruto das vantagens obtidas por Washington em um quadro assimétrico, que agora é contestado pelas contrapartes de Bruxelas, Moscou, Berlim e Paris (Sombra Saraiva, 2013).

Verifica-se que a presença americana em diferentes partes do mundo é, em alguns aspectos, potencializadora de crises geopolíticas e tensões entre inúmeros atores globais, mormente pela postura assimétrica e excessivamente pragmática, em defesa de seu interesse a qualquer custo, nas principais agendas em que Washington se envolve. Não se está querendo afirmar que qualquer mecanismo de integração internacional dos EUA seja deletério ao sistema internacional, mas sim busca-se destacar que os aspectos estritamente realistas, inspirados em autores norte-americanos clássicos, como Monghentau ou Waltz, podem gerar distanciamentos de longo prazo à medida em que os atores envolvidos percebem que houve menos benefícios a seu favor do que aqueles aferidos pelos norte-americanos. Não é o caso também dizer que todas as ações pragmáticas ou realistas tendem ao insucesso nas RIs, mas o objetivo desse artigo é demonstrar que uma dosagem de diferentes métodos teóricos é interessante para um maior fomento da integração. Nesse sentido, no caso dos EUA, medidas colaboracionistas e cooperativas, inspiradas nos estudos liberais-institucionalistas e pós-positivistas de RI, tendem a aprimorar a inserção e a integração do país, e a conter alguns dos tensionamentos elencados, a fim de criar uma maior pacificação no SI.

1.2 China

A ascensão da China, principalmente a partir do século XXI, quando ressurge como potência global e regional, tem gerado imbróglios geopolíticos no Sistema Internacional, não só por sua assimetria de inserção, enquanto ator político e militar de grande referência, mas também pelos efeitos que sua rede de influência provoca nas relações internas de cada continente. Nesse sentido, exemplificam-se algumas situações em que o pragmatismo chinês gera desequilíbrios nas relações bilaterais e de integração no SI, bem como demonstra-se como as conexões globais hegemônicas são potencializadoras de conflitos.

Em seu projeto de infraestrutura global, a Nova Rota da Seda (One Belt, One Road – OBOR, na sigla em inglês), na mesma medida que os chineses abrem espaço político e econômico através da integração em diferentes níveis, surge uma resistência considerável em relação a Pequim, advinda daqueles que veem o Projeto por uma perspectiva de dominação hegemônica.  A OBOR parece ter inspiração naquilo que Giovanni Arrighi chamou a atenção em Adam Smith em Pequim: a ascensão econômica chinesa tem elementos de diferenciação em relação ao Ocidente, principalmente no que concerne a uma baixa necessidade de rivalização com os vizinhos, no sentido de conquistas territoriais, e um fluxo comercial intenso regionalmente, em virtude da posição geográfica privilegiada e do robusto mercado consumidor (Arrighi, 2008). Esses fatos demonstram que um projeto de infraestrutura de grande magnitude já fora testado no passado e a China reconhece bem sua eficiência, porém o baixo antagonismo referenciado pelo autor não é mais uma realidade em anos recentes. A atual versão da OBOR articula-se muito além das fronteiras asiáticas e tem assinado parcerias na Europa, na África e na América Latina, em geral envolvendo compromissos que provêm fluxo financeiro e de infraestrutura aos países envolvidos. Essa disseminação de interdependência tem alertado as potências ocidentais, principalmente quando a China atua diretamente nas áreas de influência imediata de Washington ou Bruxelas. Desse modo, um projeto unilateral, que parece apresentar benefícios mútuos no sentido da integração entre as partes, está gerando controvérsias na ordem global por ser ditado, em grande parte, pela lógica geopolítica de influência de uma hegemonia, em detrimento de parcerias de integração que alavanquem o equilíbrio e a menor assimetria (Altemani, 2012).

No que concerne aos vizinhos regionais, os chineses têm relações dificultosas com japoneses e indianos, derivada da posição hegemônica que as relações de integração de Pequim desdobram no continente asiático e de outros problemas históricos. A interação sino-japonesa reflete dificuldades que remetem ao fim da SGM, como a invasão japonesa ao nordeste chinês e o não reconhecimento das atrocidades cometidas por Tóquio durante a ocupação militar. Quanto à Índia, as controvérsias fronteiriças sobre as regiões do Tibete e da Caxemira, bem como as disputas por mercados locais, são uma marca do estremecimento e das dificuldades das relações sino-indianas (Arrighi, 2008). Esse cenário demonstra como a imponência chinesa no continente asiático desloca as configurações de força locais, fomentando rivalidades entre os principais países da região, o que gera um tensionameto difícil de ser absorvido enquanto os canais de diálogo priorizarem a confrontação e o realismo como estratégia política. Destarte, uma integração sob uma lógica win-win poderia atenuar os embates entre chineses, indianos e japoneses por intermédio de modelos mais colaboracionistas e cooperativos, em que a absorção dos problemas locais por essas grandes potências poderia ser o fio condutor do apaziguamento e do equilíbrio relacional na área asiática.

A assertividade chinesa também desloca tensões para a Oceania. Recentes trocas de acusações entre Pequim e Camberra no que concerne à presença econômica chinesa no outback, e a capacidade de cooptação comercial e militar dos territórios insulares do Pacífico têm gerado inúmeras reclamações e tensionamentos entre as diferentes forças e atores envolvidos. A resposta ocidental tem ocorrido através de modelos de fortalecimento de parcerias regionais nos âmbitos políticos e militares. Nesse contexto se inserem os agrupamentos QUAD (Diálogo de Segurança Quadrilateral: EUA, Índia, Japão e Austrália) e o AUKUS (Austrália, Reino Unido e EUA), que promovem encontros de cúpula periódicos, além de exercícios militares de grande envergadura na região da Ásia-Pacífico, com fins de fortalecer um mecanismo político regional que faça um contraponto à assertividade chinesa na região (Roach, 2022). Está-se diante de mais uma evidência de como a defesa de uma estratégia de política externa, baseada em desígnios e concepções unilaterais, mexem com a estabilidade e a paz internacionais, gerando tensões e alianças que perfazem formatos político-militares, que remetem a períodos como os das grandes guerras ou da Guerra Fria.

Na África, a presença cada vez mais disseminada dos chineses vem gerando resistências locais e o surgimento de um discurso sobre um novo tipo de imperialismo. Há grandes investimentos estruturais de Pequim nos quatros cantos africanos, incluindo bases militares em Djibuti e em Guiné Equatorial, além de consideráveis gastos em compras de terras e um predomínio sino nos fluxos de comércio exterior. Essas dimensões variadas da inserção chinesa fazem surgir um sentimento anti-China no continente africano, sob o argumento de que há uma relativização da soberania de vários países, mormente na África Subsaariana e uma invasão cultural, que restringe e constrange as sociedades locais, o que seriam modelos não muito distintos daqueles vistos durante a Guerra Fria, capitaneados pela disputa por influência entre EUA e URSS. Essa perspectiva sugere um diálogo com Ha-Joon Chang, em Chutando a Escada, em que o autor contesta as ideias ocidentais liberalizantes, que só funcionariam para fora, mas dentro das grandes potências haveria políticas protecionistas ao comércio, o que promoveria uma verdadeira hierarquização capitalista no globo. A China parece ter seguido, nos aspectos de integração, modelo assemelhado; e na África, isso tem gerado os efeitos deletérios que as redes hegemônicas geram ao redor do globo: controvérsias, tensões e distúrbios sociopolíticos, seja no âmbito interno aos países, seja nas relações internacionais (Chang, 2003).

Na América Latina, há um artefato do cenário internacional hodierno, demonstrado diante das disputas entre EUA e China por área de influência. O gigante asiático lança seus tentáculos de forma cada vez mais assertiva nas Américas, sendo um dos principais investidores no continente e o maior parceiro comercial da maioria dos países da região. Esse quadro deixa os EUA em estado de alerta, justamente pela atuação chinesa em uma área que sempre se considerou consolidada como uma pan-região de Washington, ao menos desde a Doutrina Monroe (1823) (Cortés, 2019). A Inserção chinesa na AL dá-se em diferentes formatos, tanto na conexão com organismos multilaterais regionais (Mercosul, Aliança do Pacífico, Cúpulas China- CELAC) quanto em acordos bilaterais – como recentemente em tratativas com Uruguai e Argentina para adesão a acordos de livre comércio ou entrada na Nova Rota da Seda; além disso, investimentos estratégicos, como no petróleo venezuelano e no eventual Canal da Nicarágua, deixam Washington em estado de prontidão para oferecer contrapropostas à região (Borges, 2021). Exemplo dessas inciativas de resposta foram, em 2022, as cúpulas da Democracia , do Clima e o dos chefe de estado latino-americanos, promovidas pelo governo Biden, permeadas por uma retórica de que a presença dos chineses compromete a segurança continental, principalmente quando os mesmos se envolvem em investimentos tecnológicos de grande envergadura, como a conectividade via 5G. O discurso norte-americano é entremeado pelo receio da perda de relevância ianque e pelo temor por sua segurança – ao ter o rival global em sua vizinhança, com poderio econômico e militar ascendente. Desse modo, verifica-se que o espraiamento da ação internacional chinesa está modificando inclusive áreas que tinham sua rede hegemônica já consolidadas com a liderança norte-americana, criando um ambiente de incertezas para o SI e de disputas que podem gerar crises e instabilidades, é o realismo e o unilateralismo do interesse nacional empurrando o mundo para o ambiente de embates geopolíticos.

Verifica-se que a presença chinesa em diferentes estruturas globais tem sido impulsionadora de crises e tensões, mormente pela postura em defesa de seu interesse a qualquer custo nas principais agendas em que Pequim se envolve. Não se está querendo afirmar que qualquer mecanismo de integração internacional chinês seja prejudicial, mas sim busca-se destacar que os aspectos estritamente realistas podem gerar distanciamentos de longo prazo à medida em que os autores envolvidos percebem que houve menos benefícios a seu favor do que aqueles aferidos pelos norte-americanos. Não é o caso também, dizer que todas as ações pragmáticas ou realistas tendem ao insucesso nas RIs, mas o objetivo desse artigo é demonstrar que uma dosagem de diferentes métodos teóricos é interessante para um maior fomento da integração. Na próxima seção, a partir do exemplo de que há muito mais problemas do que soluções nas investidas unilaterais de integração, procura-se sugerir uma inserção internacional sul-americana mais cooperativa e sob uma perspectiva mais influenciada pelo liberalismo-institucionalismo das RIs, endossada por uma inserção diversificada, com diferentes entes sociais, em que a paradiplomacia pode ser um caminho de fomento relevante para dinamizar a cooperação na América do Sul.

  1. A Integração na América do Sul: contrastando os aspectos realistas clássicos com um modelo colaboracionista e igualitário.

Após os exemplos da inserção internacional de dois hegemonas do cenário global hodierno, e de como uma integração assimétrica gera dissonâncias no SI, busca-se enquadrar e sugerir a cooperação na América do Sul sob outras bases, menos conflitivas e mais colaboracionistas, em que o desenvolvimento do bloco continental e a aproximação entre as sociedades sejam possíveis, sem a necessidade de um hierarquização hegemônica dentro da região, pois a imposição da vontade nacional (mesmo feita de forma não explícita) no longo prazo, como visto, tem muito mais a tendência de desestabilizar o subcontinente do que levá-lo a algum tipo de progresso. Nesse sentido, faz-se a sugestão de bases construtivistas, liberais e pós-positivistas na análise, exemplificando com os mecanismos de descentralização da integração, de modo a demonstrar uma maneira eficiente para consolidar a cooperação regional. Para isso, é relevante trazer alguns conceitos basilares sobre integração e o quadro geral das conexões entre as nações sul-americanas na atualidade.

Fazendo uma defesa mais evidente da eficiência da integração na América do Sul por vias cooperativas e colaboracionistas, é valioso mostrar a abordagem que será feita sobre regionalismo e a influência dos conceitos de algumas teorias de integração regional, investidas de ideias hegemônicas eurocentristas. Não se pretende defender a efetividade – já não cabível desde a crise do final dos anos 90 – de um regionalismo de ideias liberais restritas, capitaneadas pelo Consenso de Washington. A renovação da integração regional, que critica postulados realistas puros e a monopolização da produção do conhecimento nas academias europeias, é o Norte de uma cooperação sul-americana direcionada ao desenvolvimento sociocultural, econômico e político do continente. Nesse sentido, regionalismo é um conceito que necessita ser visto sob novos fundamentos e novas abordagens, que se desvinculem da produção acadêmica mainstream e se conectem com a realidade regional, a fim de entender e formular teorias que reflitam os fatos locais, não tentando colocar os acontecimentos dentro de modelos pré-fabricados no exterior (Perrota e Porcelli, 2019). Quantos às teorias de integração regional, José Briceño Ruiz traz um diálogo que se aproxima de Perrota e Porceli, ao contestar as bases europeias de conceitos como o funcionalismo, o neofuncionalismo, o integovertamentalismo e o liberal intergovertamentalismos, que seriam focados na experiência da União Europeia e baseiam, em geral, às integrações regionais na América do Sul. Isso provoca equívocos quanto ao quadro fático e parece fomentar as dificuldades de avanço dos projetos regionais de integração, pois não refletem  a realidade local (Ruiz, 2018). Desse modo, a capacidade de integração no continente sul-americano deve possuir uma visão crítica acentuada sobre os conceitos tradicionais de integração e regionalismo, trazendo abordagens mais atuais e mais conectadas com o continente sul-americano, já que boa parte das conceituações tradicionais estão contaminadas de teorias clássicas hegemônicas, baseadas em um realismo que impõe relações centro-periferia, e que pode, como visto, propagar problemas de segurança e instabilidade ao invés de cooperação e desenvolvimento.

Nessa linha, as contribuições acadêmicas latino-americanas veem a integração como um mecanismo de autodeterminação regional, em que instrumentos jurídicos e sociais, apartados de qualquer predeterminação das potências globais, podem conformar um ambiente de soberania e independência no Sul da América (Ceceña, 2013). Os estudiosos locais, no entanto, não ignoram que a abordagem marxista ortodoxa clássica desconsidera as peculiaridades das relações socioeconômicas da AL, em que um tipo específico de capitalismo periférico fora desenvolvido, tendo inclusive – em alguns países – um processo de industrialização próprio por substituição de importações (a partir de meados do século XX), em que a unicidade da superexploração do trabalho e o molde delineado, pela teoria da dependência das economias latinas na nova divisão internacional do trabalho, trazem fatores específicos, que necessitam de uma análise mais abrangente e de um estudo voltado para o caso latino-americano (Marini, 2017), como também defendem Ceceña e Perrota/Porcelli. Nesse sentido é que tanto as “integrações colonizadoras”  como a “dialética da dependência” parecem remeter aos resquícios de hegemonia intelectual de base realista que impedem um bom progresso da integração na América do Sul, demonstrando a necessidade dessa abordagem por intermédio de teorias mais cooperativas, que se vinculem aos dilemas regionais e se fundamentem nestes para criar suas proscrições, sem desprezar os cânones teóricos ocidentais, mas usando-os mais como uma referência, entre tantas outras, para que não se cometa o erro de colocarmos “ideias fora do lugar” (Robert Shwarz, 2017), como ocorre em tantos outros campos do conhecimento, em que as ideias do Norte parecem ditar o pensamento do Sul.

Diante desses pontos, pode-se inferir que é a autonomia da integração regional que pode gerar benefícios socioeconômicos e políticos na América do Sul. O conceito de “integração solidária”, trazido por Juan Carlos Puig em Integración y autonomía de América Latina en las postrimerías del siglo XX, parece abarcar um modelo em que é possível a convivência harmônica entre os entes nacionais sul-americanos, principalmente se baseado em verificações das realidades locais para a confecção de planejamentos do desenvolvimento regional. Puig afirma que essa solidariedade já fora bem-sucedida em experiências como o Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) ou em alguns mecanismos da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), podendo ser replicado e aprimorado nas atuais conjunturas de integração continentais (PUIG, 1986). Uma publicação que chancela a posição de Puig, em relação a uma posição autônoma da América Latina na economia internacional, é o relatório da CEPAL de 1959, em que um mercado comum latino-americano é defendido como um poder de inserção econômica para a AL no cenário local, em uma evidente contradição com as atuais posições liberais e pró-hegemonias ocidentais daquela Comissão da ONU para a América Latina. Ainda sobre uma integração de faceta própria para a América do Sul, inúmeros modelos de sucesso integracional, mormente desencadeados na primeira década do século XX, são expostos por Pia Riggirozzi e Diana Tussie, em The Rise os Post-Hegemonic Regionalism – The Case of Latin American, em que os relativos sucessos de programas sul-americanos como a IIRSA, o Conselho de Defesa Sul-Americano ou a maior participação da sociedade civil nas agendas da integração, são vistos como um formato pós-hegemônico e autóctone do continente sul-americano, servindo de exemplo para uma cooperação mais eficaz na região.

Feita essas perspectivas conceituais sobre a Integração na América do Sul e pontuados algumas discussões acadêmicas e conceitos hodiernos sobre o tema, expõe-se que Integração regional é aqui entendida como “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança político-institucionais de escopo regional” (Herz; Hoffmann, 2004, p. 168, apud Estre, 2018). Sob essa definição, é importante trazer um breve panorama histórico e evolutivo da integração no subcontinente sul-americano. Ressalvadas as iniciativas bolivarianas ou monroístas de integração, até meados do século XX, o modelo mais referenciado como institucionalizante das primeiras inciativas é a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio, 1960), que impunha uma higidez temporal para a integração comercial do continente, o que acabou por inviabilizá-la, sendo substituída por um mecanismo mais flexível, a ALADI (Associação Latino-Americana de Integração, 1980), que permitiu a configuração ou o aprimoramento de mecanismos econômicos e políticos nas sub-regiões, como o Mercosul, a Aliança do Pacífico ou a CAN.

A década de 1980, com a crise econômica e a redemocratização da AL, impulsionou processos regionalizantes de integração, sob os desígnios do Consenso de Washington e do neoliberalismo econômico, apresentados como portos seguros para conter o período de atraso financeiro, mas que se demonstraram falhos ao final dos anos 90, com as crises das Bolsas pelo mundo, que afetavam as economias periféricas de modelos liberais de forma mais contundente do que em outras partes do globo. É nesse instante que a discussão sobre uma integração mais autônoma, delineada em mecanismos próprios de inserção internacional, ganha força, e o debate já referenciado de contestação de cânones europeus de integração regional é cada vez mais desenvolvido. Nesse sentido, nos anos 2000, arranjos de geometria e temáticas variáveis se disseminam na América do Sul (ampliação do Mercosul, Unasul, ALBA, Focalal etc) e o discurso de um desenvolvimento, bem como de uma integração soberana no continente é engendrado nos grupos progressistas que governam os principais países da região no início do século XXI.

Não sem desafios para o avanço das agendas de integração. Os principais obstáculos à integração regional na América do Sul, no início do presente século e que perduram na atualidade,  são as rivalidades regionais, que por fatores históricos e econômicos teimam em persistir, perfazendo ambições desmensuradas entre os países dentro de cada arranjo regional, o que impede o avanço de inúmeras agendas estratégicas; a internacionalização dos conceitos cepalinos é um outro problema, pois as ideias de protecionismos via substituição de importações parecem ter sido superadas à medida que seu uso fora banalizado ao redor do globo e mecanismos para mitigar os benefícios são impostos pelas novas regras comerciais, principalmente advindas da OMC, o que provoca uma necessidade de revisão das conceituações da otimização das relações socioeconômicas e políticas da integração sul-americana. Adicione-se também que a postura das diferentes nações diante dos EUA é fator influenciador da integração, pois a falta de pragmatismo em certos momentos pode desequilibrar as relações internas continentais, principalmente diante das investidas de imposição de interesses de um agente assimétrico do Sistema Internacional, em um ambiente de relações em eixo e mais igualitárias, como o que se pretende entre as nações sul-americanas (Estre, 2018).

Esses óbices integracionais demonstram a necessidade de uma revisão das bases de cooperação regional, pois claramente se vinculam a pensamentos impregnados de realismo e de interesse nacional a qualquer custo, advindo dos postulados acadêmicos que inspiram as RIs sul-americanas em seu mainstream intelectual. Diante disso, para otimizar essa integração e combater essas dificuldades, a superação das desconfianças por intermédio da cooperação mais amplificada pode ser um mecanismo eficiente.

Nesse potencial de melhoramento da integração regional, verificam-se algumas possibilidades. A variedade de mecanismos integracionais funcionam mais como um facilitador da cooperação do que como um óbice, é o que defendem os professores Fábio Borges e Edith Venero Ferro, afirmando que a diversificação temática de mecanismos como a UNASUL, o Mercosul e a Aliança do Pacífico refletem as diferentes necessidades regionais, por isso os meios de encaminhamento das problemáticas devem ser abrangentes, foi o que se verificou em algumas políticas mal ou bem-sucedidas durante a crise da pandemia de COVID-19, já que diante de uma institucionalização regional consolidada via-se um melhor aprestamento de soluções para a crise sanitária; diante disso, os autores defendem que outras agendas regionais têm fluxo mais facilitado de evolução se forem enquadradas na adequada institucionalidade que demandam (Borges; Ferro, 2022). Contudo, apesar dessa eficiência, alguns autores afirmam que esse “overlaping regionalism ou regionalismo sobreposto” reflete muito mais a descontinuidade política da integração sul-americana do que um aprofundamento de temas institucionais, ou seja, não se busca conter ou combater os constrangimentos necessariamente surgidos com o avanço da integração; diante do óbice, cria-se outro mecanismo “superficial” para sanear problemas pontuais, o que gera inúmeras descontinuidades entre os institutos criados, mormente no século XXI (Mariano; Ribeiro, 2020). O que se vê nessas posições diferentes de Borges/Ferro e Mariano/Ribeiro não é uma contraposição de ideias, mas sim uma complementariedade. A resolução de demandas regionais pelos mais variados mecanismos de integração pode ser muito mais eficaz à medida que tais instituições se aprofundem e se otimizem como organização, o que se coaduna com os ideários liberais e construtivistas defendidos nesse ensaio como uma suplementariedade às abordagens predominantemente realistas que se sobressaem diante das dificuldades de superar as desconfianças da integração já citadas. O aprimoramento da integração por intermédio da configuração de mecanismos temáticos diversos pode contornar inúmeros obstáculos à cooperação regional, além de perfazer um dispositivo específico e possibilitar a discussão de uma teoria formulada localmente para o desenvolvimento da integração sul-americana.

Quando se antagoniza neste ensaio o realismo com outras teorias de relações internacionais não se quer menosprezar as contribuições daquela abordagem analítica ao conhecimento de RI, mas, principalmente, pretende-se demonstrar que, na realidade das intenções de integração sul-americana, é mais interessante, diante das referências acadêmicas citadas e dos efeitos das posturas realistas de norte-americanos e chineses (por exemplo), a priorização de uma integração pelo viés liberal-institucional, construtivista ou pós-positivista. Como se viu, os mecanismos de integração, em sua grande variedade na América do Sul, apesar de terem certas sobreposições, sendo aprimorados, podem trazer benefícios à cooperação regional, o que se relaciona diretamente com a ideia de uma permanente evolução das perspectivas de interação internacional que as teorias construtivistas defendem, principalmente através de seu expoente intelectual Alexander Wendt. No campo pós-positivista, verifica-se que a imposição de uma inteligência restrita aos cânones ocidentais, principalmente aos preceitos inspirados na formação da União Europeia, replica as problemáticas expostas nas análises neocoloniais de RI; além disso, a não relevância de minorias étnicas, e a menor atenção a temas como gênero e meio ambiente, dialogam com as preocupações de outras cátedras de relações internacionais de vieses pós-positivistas (Jatobá, 2013). É por essas características que é necessário, para uma melhor integração do continente sul-americano, um foco em abordagens menos realistas, que incorporem as prementes necessidades e problemáticas da região, e que tenha o fio condutor da autonomia regional como principal parâmetro.

Em consonância com essa linha argumentativa, Paulo Nogueira Batista Júnior, em O Brasil não cabe no quintal de ninguém, constatou que políticas de ajustamento regional, resolvidas diretamente pelos entes envolvidos e interessados nos problemas, com a participação dos reais prejudicados ou beneficiados, permitiram configurações e arranjos geopolíticos que obtiveram um relativo sucesso em alguns pontos, como o surgimento dos BRICS ou a revisão das quotas de participação do FMI e do Banco Mundial, capitaneada por nações emergentes diante das potências globais desenvolvidas (Nogueira, 2019). Essa postura assertiva de arranjos de integração pode ser verificada na América do Sul, exemplificadamente, em mecanismos de ampliação da cooperação regional como a paradiplomacia e a descentralização política das esferas de integração internacional no continente.

  1. A Paradiplomacia como um elemento fomentador de uma integração simétrica e abrangente.

Como exemplo simbólico da prevalência do liberalismo institucional e das teorias pós-positivistas nos processos de integração regional na América do Sul tem-se a participação de entes subnacionais nos mecanismos de atuação das organizações internacionais sul-americanas. A emergência de conceituações e abordagens como a Governança Multinível (CMN) e o Intergovernamentalismo Neoliberal, mormente nos anos 1990, demonstram a maior capilaridade e efetividade que conceitos como a paradiplomacia (aqui entendida como a diplomacia feita pelos governos não centrais) podem ter na sobreposição de posturas unilaterais que disseminam desconfianças regionais e dificultam os processos de integração (Junqueira, 2014). As configurações próprias dos governos subnacionais são capazes de absorver inúmeras agendas das relações regionais, mitigando ou resolvendo o problema a partir das peculiaridades que a profundidade do contato intensificado permite, pois há uma avaliação mais aproximada dos problemas e de seus desdobramentos. Tudo isso ocorrendo em uma arena paralela a das relações intergovernamentais tradicionais (cúpulas de chefes de estado e de governo), permitindo-se que mecanismos desburocratizados interajam e manejem arranjos assertivos para cooperação regional.

Essa descentralização ocorre por meio da participação na integração regional sul-americana de governos estaduais, prefeituras, partidos políticos e entes públicos e privados não tradicionalmente ligados à política externa. A emergência dessa postura descentralizadora ocorre no pós-Guerra Fria, quando a atuação do estado nacional começa a ser relativizada, até como maneira de mitigar as negociações assimétricas que as potências globais impunham no cenário internacional, por meio de seus recursos de poder econômico e militar. Nessa esteira, fortalecem-se conceitos como pluritateralismo, globalização, cooperação regional e descentralizada entre outros, todas definições que almejam trazer novos agentes à arena de negociações internacionais, de modo a se colocar mais igualdade nas quimeras e agendas globais, com atores diretamente interessados e afetados pelos temas discutidos, sempre sob o desígnio da horizontalidade e da coordenação, em substituição à hierarquização de forças, de cunho realista, que prevalecia durante a Guerra Fria (Junqueira, 2014). Destarte, entes privados, organismos estatais subnacionais ou descentralizados, adidâncias das mais variadas temáticas, bem como uma participação massiva da sociedade civil e dos parlamentos são alguns dos fenômenos das RIs no pós-GF que se apresentam como um relevante impulsionador de integrações regionais. Esse quadro fático, na América do Sul, mesmo que ainda seja incipiente, vem obtendo uma evolução considerável, baseando-se em conceitos de teoria pós-positivista de RI, demonstrando que, diante das dificuldades e desconfianças para o aperfeiçoamento da integração sul-americana, o caminho que pode alcançar maiores êxitos deve ser cada vez menos influenciado pelas trocas desiguais sugeridas pelo Realismo.

Os estudiosos da paradiplomacia trazem a Interdependência Complexa (IC) como principal conceituação que ampara a atuação de inúmeros novos atores nas agendas internacionais. A IC surge através da análise das mudanças verificadas nos anos 1970, na congruência dos debates metodológico (Behavioristas x Realistas) e Neo-Neo (Neorrealista x Neoliberais),  com o surgimento de empresas transnacionais e o papel crescente da economia nas relações internacionais. Prima-se, nesse conceito, pela interrelação político-econômica dos diferentes atores do Sistema Internacional, de modo que a intensidade das trocas promova uma maior institucionalidade e um aprofundamento que dificulte, inclusive, uma saída brusca do arranjo organizacional, sem a verificação precisa de eventuais prejuízos na esfera de relações externas (Banzatto, 2015). Essa complexidade relacional demanda uma atuação abrangente de um número considerável de atores, o que se coaduna com os conceitos de paradiplomacia e cooperação descentralizada que se estudam no presente item.

Como exemplo dessas relações em base de IC e com atuação subnacional, as negociações sobre cidades globais e crescimento urbano, em fóruns como o UN Habitat, tem uma participação crescente de prefeituras e governos descentralizados, visto que a implementação de políticas públicas e as discussões sobre as temáticas urbanas está muito mais próxima da realidade do gestor local e dos agentes provinciais ou municipais, ou seja, a atuação dessas entidades perfaz um aprimoramento dos temas discutidos, bem como um aprofundamento. Isso fez com que os problemas urbanos fossem citados direta ou indiretamente em vários dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Outro tema que tem discussões cada vez mais detalhadas e eficazes em virtude da participação paradiplomática é a mudança climática. Crescentemente, entidades subnacionais apresentam seus anseios e problemáticas nas Conferências das Partes (COPs) anuais e as declarações finais dessas cúpulas levam em consideração as observações de cada ente descentralizado dos diferentes estados nacionais. Foi o que se observou na participação do Brasil na COP27 (2022), em que diversos estados amazônicos mostraram sugestões e óbices para a melhoria do combate ao desmatamento no mundo e na região em que estão inseridos. Verifica-se que a Interdependência Complexa proporciona uma maior capilaridade de atuação de atores nacionais especializados nas agendas em que são afetos, o que por si só é um fomentador do aprofundamento relacional e da integração. 

Os teóricos da Interdependência Complexa também defendem que o aprofundamento das relações entre atores internacionais gera um ambiente de estabilidade e paz globais mais duradouros. Nesse sentido, a paradiplomacia, por só ser possível somente em um quadro de maior descentralização do poder, pode ser um impulsionador de um ambiente político estável, já que as negociações paradiplomáticas não podem ser desdobradas fora de um quadro jurídico democrático (com alternância de poder e balizas técnicas de atuação dos agentes estatais), federativo (que permita a autonomia de atuação dos entes subnacionais e da sociedade civil) e de cooperação (dispositivos jurídicos que estimulem a aproximação entre outros estados, mormente os vizinhos fronteiriços), pois são esses atributos que permitem a diversificação dos agentes internacionais no SI. É uma referência à Paz Democrática de Kant, que tanto inspira as teorias liberais-institucionalistas, em que não haveria guerras entre entes democráticos (Banzatto, 2015). Por mais que haja alguma ponderação a esse preceito kantiano na atualidade, é factível que as abordagens menos cooperativas têm mais tendência à criação de tensões (vide corrida armamentista que antecede à PGM ou as tensões do Entreguerras) (Matsumoto, 2011).

Desse modo, há boas referências para que se afirme que a paradiplomacia, ao mesmo tempo que necessita, fortalece o ambiente democrático, federativo e de cooperação regional, pois ao interligar entes de diferentes escopos no quadro de integração, em um continente como a América do Sul, os eventuais benefícios da proximidade dificultam o desfazimento das institucionalidades constituídas, ou seja, é a descentralização, mostrando a diversidade das sociedades. Por essa complexidade social, as relações regionais não podem ser restringidas ao pensamento tradicional e generalista de um corpo diplomático, econômico ou militar, que é o mecanismo clássico em que se engendram as RIs (Matsumoto, 2011). Deve-se trazer, cada vez mais, diferentes instituições para as negociações, como um protótipo de quem promove uma participação abrangente da sociedade nas decisões públicas, levando assim os pressupostos básicos da democracia para a política externa e de integração continental.

  1. Considerações Finais

O artigo buscou mostrar que uma integração baseada em teorias somente realistas pode ser muito danosa para as RIs. O realismo serve, e muito bem, para os propósitos de autonomia continental que se sugeriu na integração sul-americana, ou seja, diante de outras áreas do planeta ou organizações internacionais, as ideias de Monghentau, Carr e Waltz servem para mostrar a independência sul-americana, para configurar um fórum de posições convergentes, ou mesmo demarcar a América do Sul como um player geopolítico global. Retirando esse pressuposto de protagonismo, as teorias realistas podem, como se viu, gerar confrontações e tensões no cerne internacional, o que nos faz pensar a integração do subcontinente americano sob um viés mais colaboracionista, inspirados nas teorias construtivistas, institucionalistas e pós-positivistas.

Esse escopo teórico percebe a América do Sul como um ente em construção, cujos fatores que a compõem permanecem em interação, o que obriga a uma abordagem própria e única da realidade continental apresentada. Essa construção teórica, perante a diversidade e as diferenças sociopolíticas do continente têm respostas mais bem-sucedidas em estudos que envolvem o feminismo, as ideias decoloniais, os estudos sobre a raça, o fortalecimento das instâncias supranacionais, todos sob a ótica de que a variedade temática não pode receber métodos cartesianos, e é a transversalidade que pode legar ao continente sul-americano uma cooperação que prime pela igualdade dos povos e pelas possibilidades de desenvolvimento social e ambientalmente equilibrado.

Nesse sentido, a interdependência complexa parece ser um conceito abrangente para as ideias de integração sul-americana, pois permite o aprofundamento organizacional e as relações transversais e descentralizadas tão salutares nas novas conceituações sobre regionalismo e integração. Como exemplo de eventual eficácia, há o uso de mecanismos paradiplomáticos na cooperação continental, pois este promove a participação de diferentes entidades públicas e dos governos não-centrais, institucionalizando, aperfeiçoando e diversificando as maneiras de aproximação entre os atores internacionais da América do Sul.

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