Autora: Liliana Korniat
Mestre em Geopolítica; Diretora da Area Internacional do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF).
Contato: lilianakorniat@gmail.com
Introdução
A violência e um fenómeno social complexo de natureza sistêmica que acompanha a evolução humana e que, pelos seus impactos multidimensionais, e objeto de pesquisa e investigação pelas mais diversas disciplinas cientificas. Como manifestação da conduta humana a violência torna-se necessariamente uma questão social e está associada a um paradigma de interação donde o conceito de autoridade está presente.
A Teoria Geral dos Sistemas permite analisar a sociedade como um todo constituído por subsistemas cujos componentes (indivíduos, grupos e instituições) interagem a traves de relações cujos impactos fortalecem ou debilitam, direta ou indiretamente, o funcionamento e a integridade desse todo maior.
O subsistema educativo, um dos componentes do sistema social, encontrasse constituído pelos membros das famílias (pais, mães, filhos e entorno estendido), as autoridades das instituições de ensino e outras entidades educativas (religiosas, esportivas, culturais e artísticas) e suas equipes gerenciais e de apoio psicopedagógico, os responsáveis governamentais das áreas de Educação (Secretaria de Estado de Educação), Saúde (Secretaria de Estado de Saúde e SUS), Justiça (Promotoria de Educação do Ministério Público), Esportes e Cultura e Segurança Pública (Delegacia da Criança e Adolescente, Policia Civil, Policia Militar e Corpo de Bombeiros da Policia Militar) todos os quais são responsáveis solidários nas melhores práticas a ser adotadas para prevenir a violência .
Como fenômeno social, a violência pode acontecer em interação social, começando pela família como núcleo de contato primário da criança com a figura de autoridade e os seus valores essenciais (a começar pelo respeito), o que tem impacto direto no desenvolvimento da personalidade, no processo de educação e não convívio social sendo suscetível de ameaçar a funcionalidade do coletivo.
Por essa razão, analisamos o Modelo de Gestão Compartilhada em Escolas Públicas como resposta do governo do Distrito Federal a ameaça derivada do aumento da violência no subsistema escolar no período de 2019 a 2020. Foram avaliadas ocorrências policiais e registros estatísticos do estudo “Panorama Letal e Sexual da Violência contra Crianças e Adolescentes no Brasil” elaborado pela UNICEF e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2016-2020.
Conclui-se a priori que o Modelo é uma ferramenta para restaurar a ordem e disciplina nas escolas piloto sem constituir uma intervenção para a prevenção de violência, como as melhores práticas recomendadas pelo Instituto Ayrton Senna e as aplicadas em outras instituições de ensino das mesmas regiões administrativas do Distrito Federal.
Família: núcleo originário de violência
A família é o componente primário no qual as crianças são legalmente socializadas e aprendem a interagir com a autoridade dos adultos a partir do estímulo a valores essenciais para se relacionar.
Assim, o comportamento das figuras de autoridade na vida das crianças (os pais, os professores, a polícia e os adultos em geral) e a educação em competências socioemocionais são fatores determinantes para que elas compreendam como se relacionar com os outros e com o entorno e para que as normas que regem a socialização sejam legitimadas e respeitadas por consentimento e não por submissão hierárquica, fortalecendo assim a harmonia do sistema social.
Na perspectiva do funcionalismo estruturalista de Talcott Parsons, a sociedade e um sistema de ações individuais e coletivas que interatuam em um contexto complexo no qual imperam normas e valores e cujo objetivo e a supervivência, o que depende do alinhamento entre os propósitos individuais e coletivos e da adaptação aos desafios do entorno e da gestão de conflitos e enfrentamentos internos (TOBAR QUINONES, 2018, p.2-3)
Ampliando essa perspectiva, o enfoque sistêmico de Niklas Luhmann associa a estabilidade social a comunicação e conduta de cada indivíduo nos subsistemas familiar, educacional, cultural, político, económico, militar e religioso, nos quais a socialização acontece pela “observação reciproca ou relacionado as expectativas dos outros”. A importância diferencial da família para o equilíbrio do sistema social deriva de que todos os atos e vivencias dos seus membros, incluindo os que acontecem fora do ambiente familiar, são inerentes a comunicação familiar já que ela permite o “acoplamento estrutural entre o sistema psíquico e o sistema social” (URTEAGA, 2009, p. 310-311) .
Na sua obra “A primeira infância e as raízes da violência” o autor Lisboa (2006) aprofunda a importância essencial da comunicação e da atenção que a família proporciona ao processo de formação da personalidade e do caráter das crianças, especialmente nos primeiros seis anos de vida, período ao qual identifica com a origem da conduta violenta (LISBOA, 2006, p. 143-149).
O especialista expressa que “a criança é um produto do ambiente em que vive. já que […] o meio familiar estabelece os limites dentro dos quais os instintos e as emoções vão se desenvolver” (LISBOA, 2006, p.149) lembrando que o cumprimento efetivo do Artigo 227 da Constituição Federal do Brasil pouparia qualquer plano de combate as violências, os quais proliferam ao mesmo tempo que a violência aumenta. A referida norma estabelece no Artigo 227 que:
E dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, violência, crueldade e opressão. Esse artigo define claramente as responsabilidades das autoridades na proteção das crianças e adolescentes de todos aqueles fatores predisponentes, determinantes e desencadeantes que possam interferir na formação da personalidade no convívio social estimulando condutas violentas.
Reforçando o critério sustentado por Lisboa (2006), a escritora americana e conselheira familiar Dorothy Law Nolte, descreve assertivamente a influência das experiências da criança na sua relação com os adultos como “referência de autoridade” e seu impacto na formação de sua personalidade, no poema “Children Learn What They Live” nos seguintes termos (traduzido para o português):
Se a criança vive criticada, aprende a condenar.
Se a criança vive hostilizada, aprende a lutar.
Se a criança vive ridiculizada, aprende a ser tímida.
Se a criança é envergonhada, aprende a se sentir culpada.
Se a criança é encorajada, aprende a ter autoconfiança.
Se a criança vive com tolerância, aprende a ser paciente.
Se a criança vive com apreço, aprende a apreciar.
Se a criança é aceita, aprende a amar.
Se a criança é aprovada, aprende a gostar de si própria.
Se a criança vive com honestidade, aprende a dizer a verdade.
Se a criança vive com seguridade, aprende a confiar em si e nas pessoas.
Se a criança vive com carinho, aprenderá que o mundo é um lugar lindo para se viver”
Law Nolte, Dorothy PhD & Harris, Rachel PhD. Childreen Learn What They Live).
Um contexto familiar e escolar alimentados por esses valores são considerados pelos psicólogos americanos TYLER, Tom e TRINKNER, Rick (2017) como habilitantes para a legitimação da autoridade pelas crianças e adolescentes (RODRIGUES, 2017, p. 4).
Por contrário senso podemos inferir que quando a autoridade parental (docente, policial ou outra) se impõe por temor hierárquico dentro do núcleo familiar ou social, a obediência (como alinhamento automático a ordem e a disciplina imposta) resulta da submissão e do medo (e não da legitimação da autoridade) o que alimenta a raiva, que poderá traduzir-se em conduta violenta. Isso reforça o pressuposto de que o núcleo familiar é responsável pelo modo primário de socialização e pelo modo como enxergaremos o outro (grifo nosso) na interação social.
Figura n 1 de Família, Sistema Social y Subsistema Educativo
Educação em competências socioemocionais
Se entendemos que a base da educação está no tipo de vínculo que se estabelece entre crianças e adultos como referência de autoridade para viabilizar o desenvolvimento humano, esse modo interfere diretamente na educação como processo de dupla transferência no sentido de “educare” (nutrir de conhecimentos) e de “educere” (extrair o potencial que todo ser humano, porta) cujo propósito e potencializar a melhor versão de cada indivíduo.
Na concepção da Psicologia Positiva, […] impulsada por Seligman e Csikszentmihalyi (2000, p.5-14) para educar uma criança é necessário ir além da correção e ressaltar as qualidades dela, o que significa proporcionar intervenções voltadas a unir essa dupla transferência através de pilares orientadores como emoções positivas, engajamento, propósito, realização, relacionamentos positivos, otimismo.
Nesse entendimento, o Instituto Ayrton Senna estimula a educação baseada no Modelo de Cinco Macro Competências Socioemocionais, compatível com a Base Nacional Comum Curricular (2018), sendo elas definidas como:
[…] conjunto de capacidades individuais que podem ser apreendidas em diferentes contextos e que se manifestam em padrões de pensamentos, emoções e comportamentos, favorecendo o desenvolvimento e expandindo oportunidades de aprendizado que facilitam a socialização das crianças.
Ou seja, ambas contribuem, indiretamente, na prevenção da violência, ao centrar o processo educativo na articulação de conteúdos acadêmicos e Macro Competências Socioemocionais, as quais são agrupadas em cinco categorias como se observa na figura n.2
A educação sustentada em macro competências socioemocionais como as recomendadas pelo Instituto Ayrton Senna e a Psicologia Positiva, facilita a transição entre um paradigma baseado na autoridade (que invisibiliza as emoções e reforça a obediência por hierarquia e castigo ou merecimento) para um modelo que coloca o foco no ensino de habilidades sociais e de vida que ajudem as crianças e adolescentes a gerenciar suas emoções, respeitar aos pares, estimular o senso de conexão e pertencimento, promover a comunicação efetiva, assumir responsabilidades e cooperar na resolução de conflitos (TORRES, 2021, p.2)
Partindo desse enfoque, o aumento da violência que se registra na família se replica na escola, sendo a educação conduzida em base a competências socioemocionais um marco pedagógico que contribui de modo estrutural a prevenir a violência gerada no ambiente familiar e projetada ao ambiente escolar.
Em contraposição ao diálogo e a comunicação propiciado por este paradigma se posiciona o “silencio” como natural aliado da violência em todos os ambientes, silencio que tem sido tradicionalmente estimulado pelo modelo autoritário e hierárquico de educação e frequentemente associado a preservação da imagem, da honorabilidade, da incolumidade da instituição seja familiar, escolar, religiosa, institucional ou corporativa, acobertando a cumplicidade de autoridades e tutores pelas mais diversas formas de agressão, hostilidade, negligencia e abusos contra crianças e adolescentes.
A violência familiar e sua projeção escolar
Reafirmando a incidência da violência no ambiente familiar, dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH) indicam que das 50.098 denúncias de violência contra crianças e adolescentes registradas no Disque 100 (um dos canais do órgão) durante o primeiro semestre de 2021, o 81% (40.822) ocorreram dentro da casa da vítima. No mesmo período em 2020 o número de denúncias chegou a 53.533. O informe consigna que:
- a maior parte das agressões e praticada pelos progenitores (pais e mães) ou pais ou mães adotivas e outros familiares,
- mais de 93% das denúncias são contra a integridade física ou psíquica da vítima, seguidas de restrições de algum tipo de direito individual ou liberdade e cerceamento de direitos sociais básicos (como proteção e alimentação retirados)
Evidenciando o levantamento produzido pela Polícia Civil do Distrito Federal, o qual apresenta indicadores de violência contra crianças e adolescentes nas regiões administrativas da Capital da República e corrobora que o ambiente familiar e o núcleo primário de geração de violência.
O estudo foi elaborado pela Divisão de Análise Técnica e Estatística (DATE) como subsidio a Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA) e aponta que a maior parte de registros de crimes compreende a faixa etária de 6 a 11 anos, maioritariamente de sexo masculino (105 meninos e 59 meninas) seguidas da faixa entre 0 e 5 anos (77 meninos e 75 meninas). Os tutores (pais e mães) respondem pelo 38% dos maus tratos, seguidos de irmãos das vítimas (16%) e ex cônjuges (13%).
Esses registros encontram paralelo nas denúncias de casos de violência escolar que, segundo a Polícia Civil do DF, entre 2017 e abril de 2021 totalizaram 10378 ocorrências, sendo 54,9% em escolas públicas e 19% em escolas privadas. Os maiores índices correspondem a 2018 e 2019 com 3540 e 3198 registros, respectivamente, verificando-se uma redução de crimes durante a pandemia COVID-19 (que redundou em maiores índices de violência doméstica), voltando a crescer em 2022 com uma média de cinco ocorrências diárias.
Perante os níveis cada vez mais elevados de violência no ambiente escolar e sua projeção social na dimensão física e no domínio virtual, o Senador Eann Styvenson Valentim Mendes, referente e impulsor do modelo de gestão compartilhada na Escola Estadual Professora Maria Ilka de Moura (localizada num bairro de periferia do Bom Pastor, zona Oeste de Natal, Rio Grande do Norte) tem se questionado em entrevistas públicas em base a quais valores estamos educando as crianças e adolescentes?, considerando que as instituições de ensino tem deixado de ser um espaço seguro e garante das condições de respeito, ordem e disciplina apropriadas e imprescindíveis para alcançar o seu propósito.
Da perspectiva da segurança multidimensional e possível antecipar os níveis e modalidades de violência que a sociedade terá no futuro a partir do modelo de educação que a família e a escola estão proporcionando as crianças e adolescentes e advertir como esse modelo precisa articular todos os componentes do subsistema educativo, para abordar do ponto de vista sistêmico as causas estruturais da violência geradas no núcleo familiar.
Mas, de que falamos quando abordamos o fenômeno da violência escolar? A autora Priotto define o conceito como “todos os atos ou ações de violência, comportamentos agressivos e antissociais, incluindo conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, marginalizações, discriminações, dentre outros praticados por e entre a comunidade escolar (alunos, professores, funcionários, familiares e estranhos a escola) no ambiente escolar. E classifica a violência escolar em três categorias (PRIOTTO, 2012, p.124 -125): “violência na escola” compreendendo todos os atos susceptíveis de acontecer no contexto físico interno da escola involucrando qualquer um dos seus diversos componentes,“violência contra a escola” como aquelas manifestações que afetam direta ou indiretamente o patrimônio, e finalmente, “violência da escola” referente a condutas das autoridades com potencial de impactar prejudicialmente nos alunos.
O aumento das três categorias de violência escolar tem conduzido as instituições de ensino a instrumentar medidas de securitização e demandar maior fiscalização policial nas áreas de localização das mesmas.
Em outros casos, a violência está sendo tratada desde dos enfoques diferentes, através de programas de gestão conjunta cívico-policial e a traves de melhores práticas compatíveis com educação em base a competências socioemocionais.
A participação da polícia no subsistema educativo no Distrito Federal.
As forças policiais tem como função essencial “proteger” a população e preservar a ordem pública a partir do desenvolvimento e implementação de estratégias de controle e repressão dos crimes, traduzindo na prática, os planos governamentais de segurança pública.
O funcionário policial é uma peça chave na preservação da integridade do sistema social ao neutralizar e combater as ameaças multidimensionais emergentes da violência involucrada nas condutas criminais. Porém, a polícia não pode isoladamente prevenir um problema estrutural de origem familiar e de responsabilidade social como e a violência escolar.
No seu desempenho, o policial se articula direta e indiretamente com os componentes de diferentes subsistemas exercendo diversas funções como negociador e mediador de conflitos (entre pais e filhos, professores e alunos e entre alunos) como garantia de preservação da vida do cidadão das violências pública e privada, e em definitiva, como cidadão de pleno direito.
A lei n. 13.675 de 11 de junho de 2018, refere sobre a disciplina, a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal e cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS); instituindo o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Nesse marco normativo, a educação policial é um indicador relevante ao ponderar a compatibilidade da presencia e atividade da polícia no ambiente escolar como gestores de segurança toda vez que ela tem como foco mais proporcionalmente vigiar, prende e punir que antecipar, neutralizar e prevenir violências.
Expertos recomendam a modernização da matriz curricular redirecionando a formação policial para um paradigma de prevenção da violência, mediação de conflitos e segurança cidadã baseado no respeito pleno aos direitos humanos e com ênfase no aprendizado de competências socioemocionais diferenciado da bagagem curricular que enfatiza os conteúdos militarista e juridicista que favoreceria a criminalização da violência escolar (OLIVEIRA, 2022, p. 4).
Em este sentido, o Artigo 5 da Política Nacional de Segurança Pública, ao estabelecer as diretrizes, confere uma ênfase humanista criando a figura do “policiamento de proximidade” na resolução de problemas e promoção de cultura da paz, segurança comunitária e integração das políticas de segurança com as políticas sociais de outros órgãos governamentais.
A participação da polícia no subsistema escolar (tanto na forma de policiamento ostensivo quanto na gestão disciplinar) tem se intensificado a medida que a violência praticada em forma física ou virtual dentro ou no entorno das instituições de ensino evidencia crescimento lento, mas sustentado, e especialmente na intervenção de situações que involucram uso ou ameaça de uso de armas de fogo, armas brancas ou elementos contundentes envolvendo ao menos uma vítima, um vitimario e ocasionais espectadores. A violência escolar no Distrito Federal foi mapeada pela Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (PROEDUC) da Secretaria de Estado de Educação sobre um universo de 700 unidades de ensino, com base nas denúncias reportadas a Delegacia da Criança e do Adolescente que em 2019 totalizaram 119 casos (uma meia de um conflito a cada 48 horas considerando um ano letivo de 200 dias) e detectando que o maior índice de violência estaria concentrado em 125 escolas públicas localizadas em áreas da periferia e no Plano Piloto. Os atos infracionais mais recorrentes reportados em 2019 foram ameaça (20,43%), vias de fato (11,91%), posse de substâncias entorpecentes (9,79%), lesão corporal (7,66%) e desacato (6.38%) (DUTRA, 2022)
Segundo informação do Batalhão de Polícia Escolar, durante o primeiro trimestre de 2022 foram registradas 108 ocorrências nas proximidades das escolas incluindo vias de fato, porte ou uso de drogas e ameaça, dado que evidencia o aumento da violência escolar post-pandemia (CORREIO BRAZILIENSE, 2022). Já, levantamento da Policia Civil mostra que do 01 de janeiro até 07 de abril de 2022, foram registradas “ 581 ocorrências de crimes praticados em ambiente escolar, o que representa uma média de cinco situações diárias” (JORNAL METROPOLIS, 2022).
As forcas de segurança não têm registros de violência escolar no ano de 2021 devido ao fechamento das instituições de ensino no contexto de pandemia. Em resposta ao crescimento da violência escolar, no Distrito Federal criou-se o projeto Escola de Gestão Compartilhada (EGC) instituído através da Portaria Conjunta de n. 22 de 28 de outubro de 2020 (atualizada em 2022) involucrando a Secretaria de Estado de Educação, a Secretaria de Segurança Pública e o Ministério da Educação.
Esse projeto piloto foi pensado para ser aplicado em instituições de ensino de 6 ao 9 ano selecionadas segundo critérios de vulnerabilidade como índices de violência e criminalidade, evasão escolar e índice de desenvolvimento humano. A iniciativa consiste na articulação de esforços entre profissionais de educação responsáveis pela gestão administrativa e pedagógica e profissionais da área de segurança pública (Policia Militar e Corpo de Bombeiros Militares) que zelam pela gestão disciplinar mediante emprego de efetivos para “policiamento comunitário, enfrentamento a violência, exercício da cidadania e promoção de cultura de paz, formação cívica, moral e ética objetivando o bem estar social”.
O modelo de EGC está sendo aplicado em 15 Centros de Ensino atendendo a mais de 15.000 alunos enquanto outras quatro escolas públicas do DF incorporam a militares da reserva para o desenvolvimento de atividades de segurança e gestão disciplinar. Sua aplicação tem sido precedida de Audiência Pública e votação pelos alunos, professores, pais e mães, resultando sua implementação do voto favorável maioritário das partes.
Após três anos de implementação, no meio dos quais as escolas permaneceram fechadas durante um período considerável pelas restrições impostas durante a pandemia COVID-19, o responsável do gerenciamento das EGC expressa que as escolas piloto evidenciam resultados compatíveis com os objetivos do projeto consistentes em:
- Aumentar a taxa de aprovação;
- Diminuir as taxas de reprovação, abandono e evasão escolar;
- Elevar as metas para o IDEB;
- Fomentar a construção de valores cívicos e patrióticos;
- Fortalecer a disciplina e o respeito hierárquicos;
- Formar os discentes com o escopo de preparo para o exercício da plena cidadania;
- Obter avanços nos parâmetros de segurança pública cidadã na comunidade escolar por meio da participação integrada da sociedade e dos órgãos públicos como ferramenta transformadora do ensino;
- Reduzir o índice de criminalidade no âmbito escolar, bem como na região onde a escola esteja situada.
Ainda que o impacto do modelo seja favorável ao desempenho acadêmico, os mesmos dados da PROEDUC atestam que em 2022, no período de 15 de fevereiro a 12 de maio, 70 queixas foram registradas na Delegacia da Criança e Adolescente, estatística que aumenta a média de registros para 1,18 a cada 24 horas, nos estabelecimentos que participam do programa. Em paralelo a este modelo, o levantamento de ações e intervenções implementados em escolas da rede pública de ensino, incluídos no Processo SEI 00080-00076571/2022 relaciona uma série de 41 Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) que constituem melhores práticas exitosas no combate a violência em escolas localizadas nas mesmas regiões administrativas nas quais e aplicado o modelo de gestão compartilhada cívico policial.
O PPP e um modelo orientador, criado pela Secretaria de Estado de Educação do DF, que norteia os projetos políticos pedagógicos a ser implementados nas escolas públicas por meio de melhores práticas de ações e intervenções para desenvolvimento de ensino ajustadas ao perfil especifico de cada instituição e atendendo a suas demandas, prioridades e planos.
O modelo contempla o histórico da escola, o diagnostico ambiental, a função social de cada instituição, por princípios que orientam as práticas pedagógicas, a configuração do currículo, os fundamentos metodológicos, a avaliação dos planos de ação e projetos específicos com o intuito de implementar abordagem multidimensional involucrando e a participação de todos os membros do subsistema educativo.
Mais especificamente todos os projetos trabalham com base no ensino de competências socioemocionais, são multidisciplinares, incorporam a participação dos componentes do subsistema educativo, da gestão escolar, do corpo docente e alunos e responsáveis no contexto familiar.
Considerações finais
A elevada incidência da violência doméstica contra crianças e adolescentes e verificada pelos registros das ocorrências policiais que constatam a recorrente pratica de agressão física, psicológica e emocional pelos responsáveis desse grupo etário.
Sendo a família o ambiente primário de criação e formação da personalidade, o modo de comunicação e legitimação da autoridade dos responsáveis das crianças assim como os valores por eles transmitidos, são determinantes no processo inserção e socialização delas no ambiente escolar.
O aumento da violência doméstica tem sido acompanhado pelo incremento dos registros de ocorrências de atos violentos no ambiente escolar demandando uma maior securitização das instituições de ensino e a militarização da gestão disciplinar como estratégias de restauração da ordem imprescindível para viabilizar o processo educativo, sem alterar a gênese do problema da violência em crianças e adolescentes.
A amostra de escolas na qual tem sido aplicado o modelo de EGC do DF apresenta resultado acadêmico segundo as informações oficiais, sendo atribuível a redução das ocorrências disciplinares e violências escolares a presencia policial ostensiva, tanto dentro como fora das instituições e não a melhores práticas de competências emocionais aplicadas nem a abordagem integrativa das famílias.
O período de implantação efetiva do modelo de EGC tem sido reduzido consideravelmente pela suspensão da presencialidade durante parte do período de pandemia, fato que também relativiza a eficácia da estratégia.
Finalmente, escolas públicas do DF que implementam programas de melhores práticas de ações e intervenções integradoras baseadas em competências socioemocionais aplicadas tem evidenciado resultados promissores em redução de ações infracionais.
Podemos concluir refletindo que a militarização da educação constituir uma estratégia de restauração das condições de ordem e disciplina essenciais para o processo educativo, mas não uma intervenção de melhor pratica na prevenção de violência familiar nem escolar.
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