Na era da física quântica e da inteligência artificial, parece impossível não saber o que ocorre em todos os quadrantes de um dos menores planetas da Via Láctea. Mas é justamente o que ocorre quando o alvo da investigação é a China, o gigante asiático que segura com força as rédeas da expansão mercantil mundial. Mas o grande dragão vermelho é ameaça ou oportunidade?, questionou dias atrás em Cascavel a doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade Nacional de Brasília, Laura Urrejola.
A resposta? Depende que lado você está. Para a superpotência norte-americana, a China é um espectro que coloca em risco a hegemonia, a liderança como grande nação do mundo. Mas para o Brasil, nação em desenvolvimento que tropeça na herança patrimonialista, o gigante asiático desperta ansiedade e curiosidade semelhantes às que levaram Eva a colher e a experimentar o fruto proibido. Mais que oportunidade e ameaça, a China é um desafio, disse a professora Laura durante aula inaugural de pós-graduação patrocinada pelo Idesf, o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira.
Há mais de seis anos a professora Laura se debruça sobre os mais diferentes estudos sobre a China. De cada dez palavras do elaborado vocabulário da pesquisadora, três são o nome da potência milenar de ricas e instigantes tradições, hábitos e culturas. Com base em dados, leituras e tudo o que seja publicado sobre o país, Laura procura decifrar os mistérios de um híbrido em sistema de governo e método produtivo. Para poder avançar e chegar a algum lugar, ela precisou, além de conhecer a história e a trajetória, debruçar-se sobre o pensamento dos principais líderes chineses a partir de 1949.
Ao mesmo tempo em que se mostra para o mundo como uma superpotência em consolidação, a China tem inúmeros problemas internos a resolver. O terceiro maior país em extensão territorial, com 9,5 milhões de quilômetros quadrados e 1,4 bilhão de habitantes, tem desafios monumentais, alguns maiores que toda a densidade demográfica brasileira. Mas um a um, eles caem por terra, evidenciando o avassalador poder de planejamento, organização e disciplina chinesa.
Um dos estudos de caso mais fascinantes da pesquisadora foi perceber como o país conseguiu resolver a sua busca por energia elétrica. “Sem ela não é possível colocar de pé nem o mais básico projeto de desenvolvimento. E os chineses encontraram formas engenhosas de abastecer suas províncias e de se tornar a nação pós-moderna que mais produz quilowatts hora na terra”. Os estudos da professora Laura ocorrem a partir da lente da geopolítica. Anos de estudos levaram a pesquisadora a entender que há um padrão no comportamento desenvolvimentista chinês. “Se ela percebe uma oportunidade, ela vai com tudo e ocupa espaços. E no Brasil brechas estruturais e de ausência de política de Estado, que se transformam em oportunidades extraordinárias, é o que não faltam”.
Win win
A lógica da China é muito simples. Emprega o win win, ou o ganha ganha. Ela vem em busca de alimentos e de recursos que são importantes para a poderosa máquina industrial que criou e em contrapartida oferece o melhor de sua tecnologia e soluções que, dessa forma, fomentam o compartilhamento de informações e conhecimentos. Um exemplo dessa parceria ocorre com Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo. Com tecnologia brasileira, lá se desenvolveu em dois anos um acelerador de partículas imponente. E tudo aconteceu com orientação de professores e pesquisadores chineses.
A China também está na Antártida e na Amazônia. Mas, ao contrário do que alguns dizem, tudo acontece às claras. “Eles publicam tudo, com o máximo de detalhes e transparência. Alguém teria que fazer o que eles estão fazendo e, com tanta lisura, que bom então que são os chineses que estão executando esse trabalho”, diz a professora. O Paraná e o Oeste também percebem a presença do gigante vermelho porém, muito mais do que participar do agronegócio, o interesse dos orientais é outro, conforme Laura: “O Paraguai é um dos pouquíssimos países no mundo com quem eles não têm relações, então nós somos uma ponte para que os chineses cheguem lá”.
A pesquisadora apresentou vídeos e fotografias que mostram a engenhosidade e a grandiosidade dos projetos estruturais da China. São pontes e viadutos imensos, prédios e hospitais construídos em poucos dias e até obras que poderiam parecer impossíveis, como uma sofisticada linha de trem no permafrost tibetano. “A mensagem é clara: se conseguimos fazer isso dar certo no Himalaia, porque não conseguiremos perfurar os Andes para construir a bioceânica, ferrovia entre Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, que vocês tanto querem?”, ressaltou a professora.
A criação da República Popular da China ocorreu há apenas 70 anos, e nessas décadas revoluções intensas ocorreram por lá. O desenvolvimento econômico e tecnológico cobra seu preço, mostrando que há ainda desafios a vencer. Milhões de jovens e adolescentes chineses, que vivem nas grandes cidades, têm um sonho: ver o azul do céu. Hoje, o que enxergam é apenas uma espessa e cinzenta camada de fumaça, que os cientistas tentam freneticamente mitigar.
Grande irmão
“A China tem múltiplos interesses e interdependência complexa, mas isso não quer dizer que ela almeje ser a superpotência do mundo”, diz a professora Laura. O dragão vermelho seguirá se movimentando, porém seus interesses são outros. Liderar o planeta, como há tantos anos fazem os Estados Unidos, dá trabalho e custa muito caro. O que a China quer é ser uma espécie de grande irmão, de levar e disseminar conhecimento em troca do win win. “E o Brasil tem muito a lucrar com isso. É tudo uma questão de decidir, e uma dessas importantes escolhas será a tecnologia 5G, um debate que esquentará por aqui a partir de 2021”.
Fonte: https://www.acicvel.com.br/noticias/item/22829-china-representa-uma-grande-oportunidade-ao-brasil.html
* A professora Laura Urrejola esteve em Cascavel, entre os dias 13 e 15 de fevereiro, para ministrar aula da pós-graduação do IDESF.